O Giro em Ipiaú (www.giroemipiau.com.br) entrevistou Moiséis Rocha Brito, Bel. Administração, Especialista em Direito Público e Ambiental, estudioso do Direito Administrativo desde 1980, que de forma aberta falou sobre postura eleitoral, composição de equipe, barreiras administrativas, financeiras e sociais na administração pública municipal, eventos que os novos Prefeitos terão que providenciarem ao assumirem, e as principais improbidades administrativas vivenciadas pelas Prefeituras e Câmaras.
GI: Eleição ganha. E agora?
MRB: Por vezes tenho dito que, após o candidato passar por um momento árduo e sofrido para alcançar a vitória no sufrágio popular, dia seguinte, depara-se não mais com a figura de um simples candidato eleito, mas de um gestor público com uma enorme responsabilidade para com a sociedade, os poderes públicos constituídos e órgãos de controles. Gestor Público – como o nome diz é aquele que administra o que é do povo. O precursor do Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, considerado o maior administrativista brasileiro, em uma de suas obras menciona que “Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal”. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode-se fazer assim”, para o administrador público significa “deve-se fazer assim”. Eleição ganha, agora é hora de começar a planejar, a formatar, a elaborar e a desenhar a administração que será desempenhada nos quatros anos de mandato. É tempo de conhecer melhor os números do município, constituir uma equipe de qualidade, e acima de tudo, pedir muita sabedoria a Deus, entregando-lhe o comando, a direção, para que o mandato transcorra sobre sua orientação. Salomão ao ser ungido rei de Israel, pediu uma única coisa a Deus: Sabedoria para governar e administrar.
GI: Muito se fala que o candidato antes de eleito é uma coisa, depois de eleito passa a ser outra, a que você atribui a essa suposta mudança?
MRB: Lamentavelmente ouvimos muito isso. Acredito que esta situação pode ser atribuída a postura eleitoral do candidato. Há de se entender que, bom seria se o candidato durante todo o processo se portasse com a filosofia e o entendimento de um bom gestor, sempre falando a verdade e assumindo compromissos que de fato tenha condições de concretizá-los. Durante o processo eleitoral muitos são os candidatos que para ganhar o voto, mentem prometendo tudo, muitos deles não conhecem se quer os números do seu município, suas demandas, suas particularidades e as perspectivas quanto ao seu planejamento e potencialidades. Infelizmente ao depararem com a realidade do município, começam a verificar a impossibilidade de cumprir com um terço que fora prometido. Por isso, é que ao se candidatar, o indivíduo deve conhecer de perto as peculiaridades da realidade do seu município, buscando conhecer os anseios da população durante a campanha, já projetando o seu Plano Plurianual, indicativos estes que o auxiliará no desempenho das execuções prioritárias e essenciais oriundas do próprio povo. A postura verdadeira, idônea e honesta do candidato, faz dele um gestor público comprometido. Às vezes não é o povo que muda o conceito sobre o politico, é este que muda ao tentar conquistar o voto do povo, prometendo o possível e o impossível.
GI: Que conselhos você daria para se fazer uma equipe de qualidade?
MRB: Eu começo perguntando a você. Qual o conselho que você daria a seu filho, querendo ele abrir um negócio? É claro e evidente que você daria os melhores conselhos possíveis, dentre eles: que se cercasse de pessoas honestas, idôneas, qualificadas, fizesse um bom planejamento, estudasse o mercado, investisse com propriedade, moderasse nas despesas, ser honesto, justo, responsável e transparente. Ouvindo ele estes conselhos, com certeza alcançará retorno satisfatório tanto financeiramente como de cunho pessoal, de bem estar e etc.. Assim é a Administração Pública, o gestor para alcançar êxito e fazer uma boa administração não só basta ganhar eleição, esse é o primeiro passo. Tenho ouvido de alguns Prefeitos, que foi mais fácil ganharem a eleição, do que fazer uma boa administração. Já ouvi também de alguns, de que é mais fácil administrar com os inimigos, do que com certos, que dizem fiéis correligionários. O fato é que o gestor deve nesse momento atrair para sua equipe pessoas que pensam e agem como equipe, os melhores nomes do quadro, pessoas comprometidas com os interesses público-coletivos, idôneas, honestas, responsáveis, de confiança e sinceras, que portam as melhores qualidades de um ser humano, além é claro, preparadas com aptidões nas áreas que vão atuar com o máximo de competência possível, qualidades estas indispensáveis para enfrentar as demandas e exigências impostas à administração pública atual, que não são poucas. O bom assessor, diretor ou secretário não é o que bajula, mas o que é verdadeiro, o que fala sim, na hora do sim, e não, na hora do não. Eu sempre tenho aconselhado aos gestores públicos, que ao comporem suas equipes, que se esmerem no que diz art. 37 da Constituição Federal, que de forma explicita e clara dispõe sobre os princípios da Administração Pública: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Analise a vida do individuo, veja se é uma pessoa correta, cumpridor da lei; veja se pensa no bem estar de todos, na coletividade, ou só pensa em si; veja se os atos praticados por ele perante a sociedade são dignos, morais e éticos; veja se é uma pessoa transparente naquilo que faz, e por fim, veja se é eficiente, se de fato dominará com conhecimento, prática e bom desempenho o cargo que a ele será confiado. Atrelando esses princípios ao perfil da equipe, certamente o gestor terá êxito durante a sua gestão pública. Se sua equipe não tem esse perfil, dificilmente você fará uma boa administração. Faça o correto, o legal, hoje, amanhã e sempre, não vá pelo caminho mais fácil para não se arrepender mais tarde. As consequências sempre recaem sobre o gestor, e por elas se paga preços bastante árduos, pesados e caros, custando muitas das vezes até a saúde e a vida.
GI: Para você, qual a maior barreira que os novos Prefeitos enfrentarão ao assumirem as Prefeituras em 01 de janeiro de 2013?
MRB: Olha sinceramente são muitas. Porém gostaria apenas de destacar três, as quais, penso que são cruciais e atinge a maior parte das Prefeituras de pequeno e médio porte, devendo ser enfrentadas de frente e já. Primeiro – o equilíbrio fiscal. É necessário imediatamente ajustar as finanças, enquadrando as despesas ao nível tolerável das receitas, respeitando o período de sazonalidade. A maioria dos municípios do norte e nordeste deste país sobrevive praticamente de duas receitas: o Fundo de Participação dos Municípios – FPM e o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, dois impostos que tem suas fontes de composição, na renda, na produção e na distribuição. Com essas desonerações de encargos sociais que vem fazendo o Governo Federal, tem influenciado negativamente nas receitas dos municípios. O Governo Federal desonera na produção, apostando no consumo, cujo excesso de consumo gera endividamento, pelo menos é que temos visto e por esse caminho tem-se seguido. A Confederação Nacional dos Municípios – CNM e a União dos Municípios da Bahia – UPB tem chamado muito à atenção sobre essa situação, alertando os Prefeitos a pisarem no freio das despesas e controlando os gastos públicos. Segundo – o ajuste das despesas de pessoal. Dentre tantas despesas operacionais do sistema publico, essa pode ter certeza é a que mais compromete o orçamento púbico municipal. Acredito que mais de 50% dos municípios baianos estão com o limite prudencial ultrapassado ou prestes a ultrapassar (limite prudencial é 95% do percentual de 54% de limite de gastos com pessoal para Prefeituras e de 6% para as Câmaras – LRF art. 20). O que tem contribuído para o aumento da despesa de pessoal foi à entrada em vigor do piso nacional do magistério e os diversos Programas Sociais implantados pelo Governo Federal que obrigam os municípios a contratarem pessoal para fazer funcionar esses programas, o que acho um absurdo é essa despesa apenas influenciar no percentual de gastos com pessoal do município, o que deveria ser partilhado com a União, além é claro, em muitos casos, detecta-se o inchaço de pessoal nas Prefeituras por conta do excesso de cargos de confiança, funções gratificadas, comissionados e etc.. Há de considerar também no bojo dessa despesa, a elevada participação dos municípios na qualidade de empregadores no Regime Obrigatório de Previdência Social – INSS, contribuindo diretamente com 21% sobre o total da folha de pagamento, onde 20% são de contribuição patronal e 1% de risco de acidente do trabalho, enquanto os clubes de futebol e a indústria recebem tratamento diferenciado, são beneficiados por criação de loterias, a exemplo da Timemania, que tem por objetivo recolher recursos para pagamento das dividas fiscais dos clubes para com o Governo Federal, bem como a desoneração concedida a alguns segmentos da indústria de encargos sociais sobre suas folhas de pagamento. Os clubes e as indústrias visam lucros financeiros e econômicos, enquanto os órgãos públicos tão somente o lucro social. Terceiro – a capacitação e qualificação de pessoal. O que temos visto nos últimos tempos, é um disparate em relação à demanda da sociedade que urge por uma administração voltada para resultados, eficiente e planejada, em detrimento de uma massa funcional efetiva desmotivada, desvalorizada e muitas vezes despreparada por falta de uma politica de capacitação e qualificação nas Prefeituras. Os relatórios do Tribunal de Contas dos Municípios – TCM/BA demonstram claro essa situação, onde mais de 80% das Prefeituras e Câmaras não tem seu Sistema de Controle Interno funcionando regularmente ou adequadamente, tornando-se, inoperante, ineficiente e disfuncional. O servidor público, assim como o próprio nome diz, deve ser mais valorizado, capacitado e qualificado para servir bem ao público. A falta de um estatuto, e um plano de carreira descente e comprometido com os resultados, são fatores que levam a esse cenário indefinido e sem rumo na gestão de pessoal da maioria das Prefeituras. Muitos dos servidores têm seus salários achatados e prejudicados em toda sua carreira, às vezes o salário que leva para aposentadoria é o mesmo inicial de sua carreira, sem qualquer avanço progressivo.
GI: Quais os principais eventos que sucederão na Administração Municipal, que os futuros Prefeitos terão que enfrentar a partir de 1º de janeiro de 2013 que merecem destaques?
MRB: São vários. Dentre eles destacamos: 1) Implantação da Lei da Transparência, Lei Complementar 131 – Em maio de 2013 finda-se o prazo para municípios com menos de 50 mil habitantes apresentar, detalhadamente as contas públicas em tempo real na internet, conforme determinação da referida Lei, que alterou o art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Posso afirmar que mais de 80% desses municípios não se prepararam para cumprir essa determinação legal, responsabilidade esta que ficará nãos mãos dos novos Prefeitos; 2) Implantação da Lei de Acesso à Informação, Lei 12.527/2011 – Todos os órgãos públicos deverão fornecer os dados solicitados no prazo de 20 dias, prorrogáveis por mais 10, sem que haja necessidade de o requerente justificar o pedido, ou seja, todas as informações produzidas ou custodiadas pelo poder público e não classificadas como sigilosas são consideradas públicas e, portanto, acessíveis a todos os cidadãos, prática esta não vivenciada na maioria das Prefeituras, Câmaras e demais órgãos públicos municipais; 3) Implantação da Lei 12.305/2010, denominada Lei de Resíduos Sólidos – todas as Prefeituras terão de contar com o Plano Local de Gestão de Resíduos Sólidos, exterminando os lixões até 2014, prazo este estabelecido para os municípios abaixo de 50 mil habitantes. Essa é mais uma obrigação que vai cair nas mãos dos futuros Prefeitos, segundo estudos, o Brasil conta com 89% dos seus municípios com menos de 50 mil habitantes; e 4) Implantação da Lei 11.455, Lei do Saneamento – As Prefeituras devem elaborar o Plano Municipal de Saneamento Básico para validar os seus contratos e para não serem impedidas de receber recursos do Governo Federal. A Lei de Saneamento, regulamentada pelo Decreto 7.217/2010 na forma como foi editado impedirá o Governo Federal de repassar recursos a determinado município sem o respectivo planejamento municipal do setor de saneamento, a partir do exercício financeiro de 2014, outra determinação que recairá no colo dos futuros Prefeitos, tendo em vista que a maioria dos municípios não fez ou não concluíram o seu Plano.
GI: Para desenvolver a administração municipal a partir de 1º de janeiro, o que deve fazer os Prefeitos?
MRB: Um bom planejamento é primordial. Se o gestor público planejar bem a aplicação dos recursos públicos logo de inicio, com certeza ele não terá qualquer dificuldade para tocar e desenvolver a Administração Municipal, além é claro, de atentar para o Controle e a Transparência que deve ser dado a estes recursos. Nesse em particular, a Lei 4.320/64 que cuidou de normatizar a contabilidade pública e a Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, sãos instrumentos indispensáveis para nortear esses procedimentos nas Prefeituras e Câmaras, cujas ferramentas deverão ser tocadas por profissionais habilitados, capacitados e qualificados. Administrar orçamento público tem sinônimo de planejamento, controle e transparência. Não adianta querer abraçar o mundo de uma só vez, é impossível, o mandato é de quatro anos e passa rápido, priorize as obras essenciais, classificando-as de grande, médio e pequeno porte, executando-as de acordo o planejado. Nunca dê uma ordem de serviços para execução de uma obra se primeiro os recursos financeiros não estiverem garantidos e disponíveis em caixa.
GI: Quais são as improbidades mais comuns nas Prefeituras, Câmaras e órgãos públicos de uma forma em geral?
MRB: Se você fizer uma busca nos julgados dos Tribunais de Contas, tanto da União, como dos Estados e dos Municípios, verá que a contratação irregular bate recorde. As contratações para fornecimento de produtos e serviços na Administração Municipal sem licitação é um horror, na maioria das vezes ocorrem sem qualquer planejamento, de forma fracionada e totalmente irregular, infringindo frontalmente a boa conduta pública e as determinações legais explicitas na Lei Federal 8.666/93 e 10.520/02, ocasionando relevantes prejuízos aos cofres públicos. De igual modo são as contratações de pessoal sem concurso público, é outra aberração, o concurso público que deveria ser regra por força constitucional passa a ser exceção. O descumprimento dos limites constitucionais a exemplo do mínimo de 25% na educação; 15% na saúde; 60% em remuneração do profissional do ensino básico pagos com o Fundeb, e o máximo de 54% para o total geral das despesas com pessoal. Outras irregularidades que destacam ainda são as despesas registradas como “restos a pagar” sem as disponibilidades financeiras, além dos créditos adicionais orçamentários sem a devida autorização legislativa, improbidades estas, que tem levado o Tribunal de Contas dos Municípios a rejeitar contas de vários Prefeitos.